Ela está solteira, não sozinha…

Ela está solteira.

Não sozinha.

Ela pinta as unhas de vermelho quando quer. Mas também sabe deixar as unhas com verniz a lascar nas pontas quando lhe dá vontade.

Esbanja esquisitices ao falar das suas séries favoritas e cala-se quando o assunto é sobre o porquê dela não ter namorado.

Ela usa vestido de tricô, daqueles clichês, para tomar chá quando o tempo está frio. E bebe cervejas em canecas como homens pré-históricos, quando lhe apetece. Ela ri de palavrões e de piadas de humor negro. Mas também se derrete mais do que manteiga numa frigideira quando recebe um SMS romântico de madrugada. Mas porque é que não namora?

Ela acorda, escova os dentes de quem já usou aparelho, toma chocolate quente, arruma-se e sai para trabalhar. Prefere usar preto. Mas sobressai mais do que qualquer mulher havaiana quando inova em alguma vestimenta cheia de flores coloridas. Ela é linda e desconversa. Fala do tempo, do futebol, da novela, da mãe, da crise em Portugal e do Channing Tatum.

Mas porque é que não namora?

Quando o assunto é sexo, ela fala menos do que escuta. Ela gosta de ouvir bandas e ler autores que poucos conhecem. Mas diz que também gosta das minhas histórias singelas contadas em tom de brincadeira.

É misteriosa, também. Assumo. Corta o cabelo de acordo com as fases da lua e se lhe apetecer come massa com feijão. Não é esquisita. De Verão, por vezes liga o ar condicionado porque gosta de dormir a sentir o frio e acaba a repousar como uma esquimó com meias e edredom. Uma linda esquimó, por sinal. Costuma atender as chamadas somente após a quarta tentativa de ligação. Não, ela não ignora. Ela perde tempo a procurar o telemóvel na mala, debaixo da cama ou no lavatório da casa de banho. Mas, de vez em quando, ela sabe ignorar, também. Diz que não sabe dançar. Recusa os convites, mas adora ser convidada.

‘Mas porque é que ninguém conseguiu ultrapassar esse muro de Berlim que tu ergueste no teu peito?’ Ela desconversa. Ri no canto da boca e pergunta-me se eu fumo, tentando desviar o assunto para longe. Eu insisto. Falo coisas fora de moda e atiro ao ar o facto de eu achá-la perfeita demais para não andar com algum sortudo lado-a-lado. Ela empina o nariz fino, lança-me os seus olhos brilhantes e ajeita-se sobre a mesa. Muda o tom e diz-me: “Porque eu não quero”. E eu rio, sem graça, da minha maldita ideia de achar que todo o mundo quer ter alguém para dividir os brownies.

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