Bastou um olhar
Bastou um olhar não tão próximo, um tanto desfocado, mas intencional e ao mesmo tempo instintivo. A partir do momento em que me captou a atenção pela sua presença, invulgaridade e por algo mais que eu não consigo nem sei explicar, eu decidi que ia fazer o que estivesse ao meu alcance para explorar o mundo que queria conhecer, o mundo onde quis logo viver, o mundo dela.
À medida que fui conhecendo os passeios da estrada que queria percorrer, fui percebendo que tudo me agarrava a ela. O meu caminho era ela e já não podia fugir a essa realidade. Nem sequer resisti porque achei que seria um bom parceiro para ela, nessa viagem que prometia ser de descoberta, partilha e paixão.
Quanto mais entrava nos olhos dela mais me agarrava, sabia que não se sente uma paz e uma felicidade tão pura e tão expectante – daquela que nos faz sonhar consciente e inconscientemente – tantas vezes assim.
À medida que fomos caminhando, fui conhecendo sítios que nunca pensei conhecer, por “sítios” leia-se momentos, sentimentos, que não têm definição, tamanho ou compensação. Nem sequer por analogia posso exprimir exatamente onde fui, aquilo que vivi, aquilo que senti. Procurei dar-lhe a conhecer o que nem eu conhecia, dar-lhe o que qualquer mulher gostaria, um passeio, um carinho, e um sorriso a começar o dia.
Aquilo que nos ligava tornou-se uma força capaz de pegar no mundo e virá-lo ao contrário. Tão forte que acabou por se tornar autodestrutivo. Aí houve um conjunto de fatores que tornaram a nossa viagem, até então em tons de mel, numa corrida para o abismo, com curvas apertadas, piso molhado e obstáculos complicados.
A história marca as pessoas. Nós dirigimos o nosso comportamento com base em princípios e vivências antigas – referências ultrapassadas temporalmente, mas não culturalmente. Assim, a minha própria história afetou o nosso caminho porque, sem eu me aperceber, tornou a estrada muito mais íngreme. Tão íngreme que apesar de eu continuar a puxá-la, ela perdeu a força e largou-me a mão.
Hoje, tudo isso faz parte da minha história. E por consequência, tudo isso vai pesar no meu comportamento, na minha liberdade moral e no meu estado de espírito e de interação.
Recordo os pores do sol, os jantares, os encontros a horas tardias, as conversas que entravam pela noite dentro, os cheiros, os olhares, os sorrisos e as gargalhadas, os carinhos, os beijos, a cumplicidade, a confiança, o à vontade, as músicas, os lugares… A textura suave da sua pele. Mil e uma coisas que eu não posso escrever porque o tempo vai passando e foram tantos os pormenores por que me apaixonei. Os pequenos momentos em que ela me dava a mão e eu lhe sentia o coração. Quando ouvia a voz mais bonita do mundo dizer-me “amo-te”. Quando sentia que ela me queria, que ela me sentia e que a nossa paixão ardia. Recordo o tempo que tínhamos um para o outro, o que fazíamos um pelo outro, o que sentíamos um pelo outro. Quando ela era “a minha pequenina”.
E ainda hoje, vejo nos olhos dela o que procurei em outros tantos mas nunca encontrei. Vejo no sorriso dela o que me acelera a pulsação e me enche o peito. Vejo na pessoa dela quem eu continuo a querer, sem saber, e que me faz estremecer, sem querer.
Só queria já ter aprendido o que aprendi, naquela que foi a viagem da minha vida, antes de a fazer. Com a convicção que assim teríamos percorrido um caminho diferente e talvez nunca tivéssemos chegado ao fim da estrada, onde estava o cruzamento que nos separou.
Agora é tarde, mas o tempo é ambíguo e acredito que um dia voltarei a viajar.
Texto enviado por João Miguel Morais