Quando duas pessoas ficam juntas é amor, e não destino
Poderia ter sido só mais uma conversa sobre relacionamentos dentre tantas que já tive. Poderia ter sido só mais uma avalanche de conselhos e troca de experiências que pouco mais nos servem do que desabafo. Mas dessa vez não foi. Fiquei inquieta ao ouvir que quando duas pessoas devem ficar juntas nada as separa. Acreditar nisso parece-me tão ingénuo quanto esperar que apareça na realidade um qualquer super-herói do cinema. Aliás, alguém que diz isso certamente não passou por algo significativo. Não que eu esteja a menosprezar as dificuldades dos outros, muito pelo contrário. Mas por realmente reconhecer a importância dos desafios, acredito que não há nada escrito nas estrelas, divino ou predestinado quando duas pessoas acabam juntas. É puramente a consequência do esforço mútuo, agregado ao respeito e, claro, um punhado de paciência. Se isso, no final das contas, não traduz o amor, o que mais pode ser?
Porém, nem sempre pensei assim. Já fui perdidamente apaixonada por um rapaz, mas brigávamos muito. Terminamos sem nos falar e com um ligeiro ódio um do outro – não me perguntem porquê. Isso é o que eu chamo de fase. No entanto, eu sempre achei – mesmo que não confessasse nem com as minhas melhores amigas – que a vida daria voltas suficientes para que voltássemos a ser como éramos. Ou pelo menos, voltássemos a falar. Achava que tínhamos uma ligação especial e que por ele ter representado um papel fundamental num determinado momento havia algo de sobrenatural nisso. Isso era o que eu chamava de destino.
Encontramo-nos anos depois, pedimos desculpas, fizemos declarações efusivas que provavelmente estavam guardadas há tempo demais para serem contidas e com uma reviravolta inesperada até ficamos juntos. Lembro nitidamente de ter pensado “Isso era o que eu sempre quis. Isso era o que eu desejava que tivesse acontecido naquela época. Eu estava certa o todo tempo”. Exceto que ele não era mais quem eu precisava, ele não tinha mais nenhuma das qualidades que antes eu admirava. Ele nem sequer partilhava da mesma perspectiva sobre a vida que eu. Talvez ele não tenha mudado tanto assim, admito. Mas eu havia mudado. Ele era somente alguém do meu passado e o meu passado não me representava mais.
Se ele quisesse estar comigo teria que ser mais do que uma saudade. Teria que fazer mais do que declamar poesias de terceiros, mais do que se aproveitar do meu fiasco de esperança. Não estávamos predestinados. Ninguém está. Na época, fomos covardes. Tivemos medo de nos assumir, medo das consequências. Desistimos um do outro por achar mais fácil ou simplesmente por não querermos tanto assim. Casais que permanecem juntos por muito tempo são indiscutivelmente guerreiros. Superam fases incompreensíveis, crises existenciais precoces, eventuais instabilidades financeiras. Superam um ao outro quando se magoam tanto quanto a si mesmos pelas suas falhas. Quem está de fora não imagina o quão difícil foi tornar todo o desafio em uma aprendizagem, todo erro em uma nova chance.
É muito cómodo acreditar que o que é nosso está guardado, que quem tem que ficar ao nosso lado volta sempre e que isso ninguém vai tirar da gente. Escuta só: vai, sim. Se tu não cuidares, aparece alguém que o faz. Se tu não te fazes presente, alguém preenche o espaço. Não é amor que mantém alguém ao nosso lado, amor é consequência. Amor às vezes é uma segunda chance. Amor é paciência. Mas não é uma certeza futura, e por causa disso muitas vezes nós desmotivamo-nos a fazer o necessário no presente, quando deveríamos fazer o contrário. Podemos acreditar no que quisermos e por isso, às vezes, compelidos pela angústia de uma desilusão, acreditamos que tinha que ser assim. Mas não tinha, nunca teve. Fizemos uma escolha. Alguns escolhem lutar, compreender, moldar-se. Outros, escolhem procurar por outro alguém em quem possam depositar toda essa esperança. Acontece que não importa o quanto queiramos que alguém nos queira, simplesmente não cabe a nós decidirmos pela outra pessoa. Mais importante do que preocupar-se em encontrar uma pista no passado de que duas pessoas deviam estar juntas, seria agora mesmo fazermos por alguém tudo quanto for possível para que não haja fim. Permanecer ao lado ou tentar novamente não é um milagre. Isso chama-se força de vontade, e não destino. Isso chama-se maturidade, e não sorte. Apenas duas pessoas realmente dispostas conseguem diferenciar costume de amor verdadeiro.
Texto de Samantha Silvany