Alguns beijos são raros.
Ela parou o que estava a fazer, largou a louça ensaboada no canto da pia. Acendeu um cigarro e olhou para mim. Eu sabia que devia continuar a falar. Também acendi um cigarro.
Sabes, tu sabes, acontece quando estão os dois no mesmo ambiente, a falar banalidades. Talvez eu esteja a fotografar e ela a escrever, talvez a gente esteja só a ouvir música e a falar sobre os mistérios do universo. Talvez ela nem tenha lavado o cabelo e esteja preso num rabo de cavalo desgrenhado; e eu vista uma camisa de futebol já desgastada pelo tempo.
A gente diverge em inúmeras coisas e concorda em tantas outras, justamente por isso o relógio cisma em ficar maluco quando estamos juntos. É um infinito de tempo que passa num segundo. Haverá uma hora, entre qualquer um desses encontros casuais, em que estaremos a fazer qualquer coisa, em que o silêncio surgirá num rompante.
Pode ser no momento em que ela me passa a xícara de café ou quando acende o cigarro suspenso na minha boca, cruzando sem querer os olhos com os meus. Pode ser enquanto dançamos passos tortos pela sala ou eu a ajudo a alcançar aquela bolacha velha e sem gosto que no momento – dada as circunstâncias – será a refeição mais gostosa da vida. Mas, sem ser esperado, acontece. E o tempo pára, a respiração fica alta, não se sabe quanta tarde se passa nesse intervalo. E acontece.
Tudo ao redor pára e ao mesmo tempo gira. É suave, tenro, é possível identificar cada mistura de gosto e cheiro que faz uma sinestesia perfeita. E depois (ambos acendemos mais um cigarro), aquele instante mágico em que ternura se transforma em tesão – na falta de uma palavra que descreva melhor, mas é um tesão diferente, é latente, é imensurável, não cabe, precisa transbordar.
Ali mesmo, em cima da mesa, no carro, no meio da sala, atrás da árvore no caminho da trilha. Não importa, é maior que tudo. As roupas vão sendo atiradas ao chão numa urgência e ninguém diz nada, porque o corpo fala por si. E quando acontece, quando os corpos se unem num frenético movimento de uma coisa só, é como se as peças que faltavam para que o mundo funcionasse em sintonia simplesmente se encaixassem.
E depois, não é preciso uma explicação, não é preciso mais nada, há apenas sorrisos e olhares e toda uma vida a ser descoberta, a ser liberta – sem amarras, nem neuras, porque tu sabes, apenas sabes. É diferente dos milhares de beijos – também sinceros, à sua maneira – que espalhamos por aí. É diferente da urgência carnal que o corpo pede de vez em quando. É coisa de alma, é encontro.
Suspiramos, cada uma lembrando dos seus beijos assim, raros, que aconteceram na vida. Mas ah… A louça precisa voltar para o armário. O gato pede a ração. O ícone do whatsapp pisca insistente. O coração pungente é colocado novamente numa espera, fica à espreita, já temos que ir, é hora de dormir. E na cama imensa, o pensamento vai longe. Nunca se sabe quando se repetirá, nunca se sabe.
Texto de Cristina Souza