Carta de uma mulher à amante do marido
Daria tudo para ver a tua cara ao encontrar este e-mail entre os vários que ele escreve para ti. Não me interpretes mal; não estou a escrever para te provocar.
Quero apenas ser a primeira a te dar uma notícia do teu interesse, e como sei que vives ligada à internet, acho que vou conseguir. A menos que ele já esteja aí e tenha estragado a minha surpresa. Ele disse-me que ia para um hotel qualquer, mas tu sabes tanto quanto eu (talvez até melhor) que não seria a primeira mentira que ele me conta. Garanto, porém, que será a última.
A notícia é justamente esta: acabo de colocar o meu marido porta a fora, com malas e tudo. Sem volta. De modo que vocês não precisam mais de fazer malabarismos para evitar que eu descubra o que já sei há quase um ano. Se eu fosse a ti (e, acredita, houve uma época em que ser tu era o que eu mais queria), começaria a me preocupar se ele demorar a aparecer. Mas vai aparecer, sim. Porque agora tu és tudo o que ele tem.
Pela primeira vez, ele vai bater à tua porta não por excesso de tesão, mas sim por falta de opção. E eu queria que tu soubesses disso. Passei o diabo por tua causa e não vou permitir que sintas o gostinho de imaginar que ganhaste. Não ganhaste, fui eu que o pus porta a fora e livrar-me de um traidor para mim é uma vitória. Mas no final das contas, sempre foi isso, não é? Uma competição entre nós as duas. O mais irónico é que o “prémio” nem é nada de mais, vale muito pouco.
Acredita que o desgraçado tentou pedir perdão, jurando que o caso de vocês não era nada sério. E olha que eu nem sequer lhe pedi explicações. Só mandei que saísse da minha vida. Devias ter visto o estado em que ele ficou quando chegou a casa hoje e encontrou as malas à porta. Nunca lhe tinha passado pela cabeça a possibilidade de que eu desconfiasse de algo. Menos ainda de ser dispensado. E daquela forma. Ficou tão desnorteado que me acusou de traição por tramar tudo pelas costas dele. O cínico faz sexo contigo e a traidora era eu!
Pela primeira vez depois deste tempo todo, tive vontade de rir. Lá estava o infiel, chocado com a descoberta de que eu sabia. É a prova de que sou muito mais competente do que ele na arte de disfarçar. Só eu sei o esforço que isso me custou.
Mas, lamentos à parte, foi um alívio colocar um ponto final na situação. Nunca mais vou olhar para o meu marido a imaginar se hoje é o dia em que ele vai abrir o jogo e acabar com o nosso casamento. Nunca mais vou ter a sensação de ser inadequada, de ser errada, nunca mais vou ter a sensação de não ser o suficiente para alguém. Nunca mais vou sentir o teu cheiro entranhado na pele e nas camisas dele.
É, foi o perfume que me alertou. Sempre o mesmo, sempre nos dias em que chegava a casa mais tarde, sempre nos mesmos dias da semana. Depois, a desconfiança me fez vasculhar o computador dele e encontrei as tuas mensagens.
Acabei por chegar à conclusão de que ele nos enganava. Às duas. Nunca pretendeu escolher. E porquê? Tinha o melhor das duas. Por ele, arrastaria a situação indefinidamente. Pior: se fosse pressionado, ficaria comigo. Mas gosto demais de mim mesma para aceitar uma coisa dessas. Foi por isso que o coloquei porta a fora. Por ironia, ele agora é o único que não tem escolha.
Quando ele bater aí, tu podes ou não abrir a porta que eu fechei. Não sei qual das opções me daria mais prazer. Enfim, o problema é teu…
Adeus para ti também.