E um belo dia eu acordei e tu não foste mais o meu primeiro pensamento.
Nesse belo dia eu sentei-me para tomar o meu café e li todas as notícias, uma a uma, sem ter aquela vontade dolorosa de partilhar contigo, de saber a tua opinião… não.
Não me lamentei e nem remoí o meu baú de lembranças mental quando passei na porta da tua antiga casa… na verdade, até me lembrei que nós gostávamos de ficar horas sentados na escada, mas tal lembrança não me provocou dor, acho que, por fim, ela misturou-se às tantas outras lembranças que moram na minha cabeça e não mais no meu coração. Por falar nele, ele ainda está aqui, a bater, e agora não mais acelerado e comprimido ao ter notícias tuas.
Fiquei a saber que tu estás de caso novo, e estranhamente não me fui consolar com uma garrafa de vodka, continuei a redigir o meu trabalho como há tempos não fazia. Tomar banho e cozinhar sem a tua companhia tampouco parece triste agora, e o som do meu silêncio já não me apavora mais.
Quando eu parei de perseguir a felicidade como alguém foragido, eu finalmente alegrei-me com a liberdade recém adquirida; Passei a não querer mais assassinar a saudade que me consumia, deixei-a livre para ir e vir quando quisesse, e ela mudou-se para longe. Voltei a tratar-me bem, a olhar-me no espelho, de frente.
Quando ouvir a “nossa” música passou a ser uma atividade rotineira, então eu dei-me conta que o terremoto havia passado e embora ele tivesse devastado boa parte de mim, eu havia sobrevivido. Voltei então a respirar com calma, a dormir direito e a não sonhar mais contigo.
Engraçado, mas até a comida voltou a ter mais sabor, acreditas? Voltei a ver beleza no raiar do dia e, de uma hora para a outra, sentei-me na varanda para admirar o mundo, não mais para chorar como fazia… aliás, voltei a contar os dias e a planear a minha tão sonhada viagem, ainda pretendo fazer o roteiro que montámos mas isso não me parece mais um fardo difícil de se carregar.
Talvez eu até te mande uma foto de lá, ou talvez eu não tenha a mínima vontade de te escrever nada, nunca mais. É, quanta coisa ficou fora do lugar, dentro e fora de mim quando nos separamos, mas já comecei a arrumar a casa e quando encontrei aquele velho álbum de fotografias, consegui sorrir com sinceridade, não mais rasgar as fotos como se isso te fizesse sumir de dentro do meu peito. Tu passaste. O amor esgotou-se.
Deixei-o esvair-se o quanto eu podia e foi assim, nesse belo dia, quando finalmente parei de me lembrar a todo o momento que eu precisava de te esquecer de qualquer jeito, que eu te esqueci.
Foi quando parei de soterrar a memória e aceitei que ela existia, que tu deixaste de existir em mim. Foi quando parei de mentir que não me importava e passei a conviver com a importância que tu ainda tinhas, que eu deixei de sentir.
Foi quando parei de te procurar em cada olhar, em outros sorrisos, que eu consegui reencontrar-me. Tu passaste. Tudo passa. O que nunca, jamais, pode passar, ou passar em branco, é um amor como o amor-próprio.
Qual é o problema de ter acabado um dia? É melhor viver algo e correr o risco de penar de amor, do que não ter nunca sentido nada e preservar a caixa de memórias vazia.
O meu coração recuperou, cicatrizou e está pronto para ter o seu ritmo alterado de novo, para bater forte de novo, para ficar sem fôlego de novo. Se sofrermos de novo, paciência, um dia passa… Se até tu passaste…
Texto de Bruna Stamato