Já Foste

Em vez de dizeres que estás com saudades, aparece!

“Tem gente que vira lembrança. Tem gente que vira passado. Tem gente que se vira para estar do teu lado”.

E é a respeito desse tipo fantástico de gente – que dá um jeito de estar ao nosso lado mesmo em dias de tempestade e trânsito infindável – que eu falarei neste texto.

Mas antes de escrever a respeito deles, dos aventureiros que criam escadas e que destroem muros para chegarem até nós, eu gostaria que tu prestasses muita atenção no diálogo abaixo:

– E então, tudo bem?
– Estou óptimo e tu?
– Também! Precisamos marcar de tomar qualquer coisa.
– Também acho!
– Vamos ver se conseguimos na semana que vem?
– Vamos sim.
– Fechado.
– Fechado.

E aí, além de incompleto, soa familiar? Eu sei que sim, e aposto que a tua caixa de entrada está cheia de conversas como esta, que começam como se as partes estivessem verdadeiramente decididas a gerar um encontro, mas que, no final das contas, por falta de iniciativa concreta, ou seja, de sugestões de data, dia, hora e lugar, acabam sem levar a nada, nem a um simples cafézinho.

Como sei disso? Porque eu – assim como tu – diversas vezes já permiti que a preguiça aparentemente mortal e o cansaço gerado pela rotina incómoda da cidade dominassem o meu ser e me fizessem aceitar ser cúmplice de conversas mentirosas como a que eu mencionei acima, incitadas e construídas com o objetivo de manter as nossas consciências limpas.

Consciências limpas SIM, pois manter esses rotineiros, breves e superficiais contactos – nos quais fingimos interesse em marcar um encontro, mas que nada de objetivo propomos para que isso ocorra – é uma atitude que utilizamos para não nos sentirmos ainda mais ausentes do que já estamos, um placebo que engolimos semanalmente para que sejamos capazes de suportar a dolorosa verdade: somos assustadoramente individualistas, a ponto de trocarmos, por duas horas de sono, um encontro com um amigo de longa data.

É duro ler isso, não é? Para mim também é, acredita. Mais doloroso ainda é assumir que começamos a acreditar – ou será que começamos a enganar-nos? – que breves conversas virtuais, quinzenais e extremamente rasas são suficientes para mantermos elevada a chama de uma relação. Pois não são. Elas, no máximo, não nos deixam ser esquecidos ou dados como mortos. Nada além disso.

As formas de contacto virtuais e rasas (WhatsApp, Facebook e afins) que – de acordo com a minha opinião, ok? – deveriam apenas quebrar um galho quando uma forma de contacto físico e profundo não é possível, definitivamente, estão a ganhar o papel principal, e a fazer com que bilhões de pessoas se esqueçam do quão essencial para as amizades é o passar a mão nas costas, o cheiro de gente, o abraço apertado, o brinde sonoro e outras coisas que, por enquanto, só acontecem fora dos ecrãs e quando existe proximidade física.

É claro que é mais cómodo e prático dar um “olá” pelo WhatsApp. É óbvio, também, que uma conversa numa qualquer rede social é muito mais fácil de ser marcada e realizada, principalmente em cidades grandes e caóticas como Lisboa e Porto, nas quais o deslocamento está a cada dia mais difícil e demorado. Mas precisamos parar de crer que esses tipos de contacto sem profundidade são suficientes para que usufruamos, de facto, do que as relações podem oferecer-nos de melhor. Pois não são, repito.

Tu precisarás ter em mente que se quiseres alimentar uma amizade – não apenas com migalhas que nada nutrem! -, também precisarás lutar contra o teu individualismo. E precisarás ter a consciência de que em prol da realização de encontros reais tu terás que deixar zonas de conforto, abrir mão de horas de sono, gastar mais dinheiro do que estavas a planear e enfrentar engarrafamentos infinitos. Faz parte.

Para de te enganares e acreditar que és um bom amigo porque, todos os dias, mandas um “Tudo bem?” pelo WhatsApp. Isso tão inútil quanto marcar presença sem assistir à aula. Entendes? É autoenganação.

“Mas a outra pessoa, assim como eu, também não faz esforço algum para que um encontro ocorra!”, irás tu dizer-me, tentando arrumar uma justificação para o tempão que não a vês de perto e fora do telemóvel. Mas essa tua lógica de quem se tenta sempre livrar da culpa para mim não funciona, não cola, não serve. Porque os ciclos viciosos, para serem quebrados, geralmente precisam de um ser virtuoso – e capaz de entender que devolver ignorâncias, na mesma moeda, é a maior das idiotices. Entendes o que eu quero dizer? Em outras palavras, pessoas incríveis como as descritas na primeira frase deste texto não esperam uma atitude positiva para, só então, tomar outra. Elas simplesmente agem, fazem acontecer, criam pontes para a perpetuação e estreitamento de laços. Está a entender-me?

Tu precisas ser melhor – e não IGUAL! – do que aquele teu amigo que raramente toma uma iniciativa para estar contigo. E como fazer isso? Quando ela não ligar, ao invés de também não ligares e, consequentemente, contribuíres para que nada entre vocês aconteça, pega na porra do telefone e faz um convite irrecusável! E se ele disser que o bar que tu escolheste é longe, propõe um café qualquer bem próximo ao pé dele; ou diz que levarás as cervejas até ao quarto do qual ele diz não querer sair. Entendes o ponto? Se o outro não se desenrascar, desenrasca-te tu. Alguém precisa quebrar a inércia, certo?

Não sei quanto a ti, mas uma das minhas principais metas para o futuro próximo é reclamar menos da falta de iniciativa dos meus amigos e tomar mais iniciativas para que eles fiquem sem motivos para reclamar da ausência da minha presença física. Como eu farei isso? Responderei a 100% dos “Vamos tomar qualquer coisa?” com duas sugestões de dia, hora e local. Simples assim. E só aceitarei que recusem os meus convites em caso de Ebola, ménage com gémeas suecas ou abdução.

Texto de Ricardo Coiro
(adaptação para Portugal)