Eu não queria desistir de nós, nem dos nossos sonhos, muito menos daquele futuro infinito que queríamos para nós. Não queria desistir da casa que iríamos ter, nem das viagens que planeávamos fazer. Talvez ao ler isto tu nem saibas, mas eu queria mesmo fazer-te sorrir bem mais do que te fiz. Eu queria mesmo ter escolhido ficar contigo, ter sido mais caseiro, ter dividido um cobertor contigo em vez de dizer: ”vemo-nos amanhã”. Talvez eu devesse ter ficado, mesmo quando eu disse que não te queria ver mais. Talvez eu devesse ter voltado, corrigido, ter-te pedido para me ouvires, porque eu sei que a qualquer hora tu poderias abrir a porta para mim e talvez eu até pedisse desculpas também. Talvez eu devesse ter-me controlado e ter dito para tu te controlares também. Talvez eu devesse ter-te convidado para sair comigo em vez de sair sozinho mesmo sentindo a tua falta. Talvez eu devesse ter-te convidado, ter-te acolhido, ter-te pedido perdão, segurar a tua mão e dizer: ”vai ficar tudo bem” em vez de complicar ainda mais as coisas. Talvez eu devesse ter-te abraçado, ancorado o meu corpo ao teu, ter-te dito que o meu peito era tão teu que pensar em esquecer-te era enfrentar os meus próprios sentidos.
Deveria ter encarado a vontade de te ter, deixado a minha saudade acolher-te para mais perto. Eu deveria ter-me levantado do sofá, deveria ter passado no supermercado para comprar um vinho, bater à tua porta mesmo sendo tão tarde e fazer-te aturares-me mais uma noite. Eu deveria ter esquecido de terminar aquele livro, ter percebido as horas que perdi sem te ver e, finalmente, chamar-te para ir ao cinema mesmo que nós mudássemos de ideias no caminho. Eu deveria ter-te envolvido nos meus braços mesmo quando tu me pediste para te largar, deveria ter-te ouvido mesmo quando o assunto fosse o mesmo da semana passada. E sorrir das tuas birras, e mesmo que tu me chamasses de tolo ao me veres a sorrir para ti enquanto tu tentavas arranjar motivos para discutir, eu deveria ter-te beijado, beijado muito, beijado bastante para tu deixares de ser tão orgulhosa e entenderes, de uma vez por todas, que eu queria fazer-te feliz, era só tu deixares.
Deveria esquecer aquela discussão, porque ouvir-te a cantar no banho em tom de ironia enquanto – na sala – eu te respondia com outra música, era amor. Porque arriscar-me na cozinha por ti, esquecer o sal e mesmo assim ver-te a comer o que fiz, era amor. Eu deveria mesmo ter desligado o telemóvel e corrido para os teus braços quando tu me propuseste que eu saísse da tua vida e eu, feito burro, concordei em sair. Eu deveria ter assinado um tal contrato para a gente não se desfazer, para que quando a gente não mais se entendesse encontrasse um jeito para se entender. Eu deveria ter-me calado em vez de te chamar de insuportável. Deveria ter-te convidado para voltares para o meu peito – que sempre foi o teu lugar – quando tu disseste que estavas a desistir de nós em vez de te aconselhar a desistir e esquecer de mim. Deveria ter tentado resolver as coisas, ter tentado encontrar uma solução em vez de aceitar a nossa solidão.
Eu não queria desistir de nós, mas de repente, tu deste um passo à frente. Talvez a culpa tenha sido minha, mandei-te tanto para o lado de fora que tu não quiseste mais entrar, mandei-te tanto para o inferno que acho que lá tu encontraste um lugar. Talvez a culpa também tenha sido tua, tu expulsaste-me tantas vezes que eu preferi não voltar, tu esqueceste-me tantos dias que eu achei que fosse melhor para mim dispensar o teu lugar. Eu não queria desistir de nós, mas daí tu resolveste deixar-nos para trás. Então, perdi o chão, tive mais medo de que tu saísses de mim, mas preferi não arriscar a coragem para te procurar de novo. O meu estômago embrulhou, suei, tentei acertar-me, mas falhei. Resolvi deixar o orgulho de lado, procurei-te. Tu não parecias mais a mesma, culpei-me pelo que fiz e pelo que não fiz. E então esforcei-me para te ter de volta, tu estavas com medo de me aceitar outra vez e eu com medo de acabar por te decepcionar de novo. Tu preferiste ficar só e só eu não me encontrava mais. O meu esforço não era o suficiente para juntar os pedaços e retomar o caminho ao teu lado. E daí, perdi o chão mais uma vez. Procurei um só motivo entre tantos que houveram para explicar tudo. Pensei muito, o tempo passou, o distanciamento aumentou entre nós. Resolvi ficar aqui no meu canto à espera que o tempo resolvesse tudo, à espera que algo mudasse, mas nada mudou. Mais um dia se foi e mais eu nos fui estranhando.
Tu mostraste que estavas bem sem mim, tentei divertir-me mais, tu tentaste sair mais, tentei rir mais. Nós tentávamos preencher o vazio que causámos um ao outro e a saudade, nem sei onde perdi. A minha barba começou a crescer, tu ficaste mais linda a cada dia. Mudei os meus hábitos. Tu distraíste-te por aí, esqueceste-me de vez. Cada um foi para o seu lado, conhecemos novas pessoas mas ninguém agradou tanto. Até que um dia, descubro que a pessoa da qual eu não queria desistir, à qual eu queria atirar os meus braços nos seus ombros, acariciar a sua orelha no escuro do quarto e acordar de manhã cedo a chamar de meu amor, encontrou o amor da vida dela.
Texto de Iandê Albuquerque