Faz-me ficar
Pede-me para ficar. Diz-me que ainda existe alguma garrafa de vinho perdida no teu armário sempre vazio e que o meu queijo preferido ainda não estragou. Convence-me a não abrir a porta e, se for necessário, puxa-me pelos cabelos.
Conta-me, ao pé do ouvido, qualquer história longa, do tipo que só tem graça quando dita com o auxílio da tua voz. Faz-me rir e, se não o conseguires apenas com palavras, abusa da tua melhor careta. Pede-me para não sair. Convida-me para uma degustação de pipocas, para um rodízio de brigadeiros, para uma harmonização de refrigerantes e, num piscar de olhos, antes que eu tenha tempo para descolar a minha bunda do teu sofá, dá o play em algum filme bem demorado, do tipo que não perco nem em dia de final de campeonato.
Pede-me uma massagem em cada canto e um beijo em cada ponto. Diz-me para ficar. Convence-me a desmarcar o trabalho, o dentista, os próximos capítulos do livro e, se possível, desfaz a questionável significância do dia de amanhã. Aponta para o céu azul e, sem medo de mentir, diz que um tornado logo virá e que, por isso, é melhor nos escondermos sob o escuro do teu edredom. Pede-me alto, sem desviares as tuas retinas das minhas e, quando eu ameaçar baixar o olhar, segura-me firme pelo queixo ou pela nuca. Não implores. Não fiques de joelhos. Não derrubes lágrimas. Não ameaces cortar os pulsos. Apenas, com jeitinho, pede-me para ficar.
Esconde as minhas roupas e não me deixes sair nú por aí, por favor. Engole a chave da saída e o choro, se puderes. Aquece o termómetro no abajur e, com timbre manhoso de uma criança que não quer ir para escola, pede-me para cuidar de ti. Não me deixes olhar para o relógio e, muito menos, lembrar do enorme erro que cometeste. Distrai-me com a tua roupa interior mais bonita ou com o teu maior abraço. Engole-me com os teus lábios macios e, se nada disso adiantar, pega-me desprevenido e algema-me abruptamente. Pede-me para ficar pois, apesar da enorme decepção que me deste de bandeja e do orgulho que, agora, insiste em conduzir os meus atos contraditórios: eu ainda sou demasiadamente louco por ti.
Texto de Ricardo Coiro