Quando a pessoa tem a certeza de que sempre será perdoada, ela tem um passe livre nas mãos, para continuar a viver do modo que quiser, sem pensar em mais ninguém. Por isso é que perdoar não nos obriga a continuar a manter o outro nas nossas vidas.
Um dia desses, enquanto conversava com um amigo que é psicólogo, questionei o motivo de muitos filhos tratarem mal os pais em casa, enquanto, na rua, possuem um comportamento educado, sendo pessoas queridas e estimadas. Ele então me disse que os filhos são mal humorados com os pais porque têm a certeza de que vão ser perdoados por eles. E isso explicou-me muita coisa.
Creio que o medo de que podemos perder o outro é que nos faz tomar consciência da necessidade de tratá-lo bem, de cuidarmos dos relacionamentos que são especiais para nós, com amor e carinhos. Porque quando alguém tem algo como garantido, acaba deixando de dar importância porque já é costume, já é uma certeza na sua vida. Esse relacionamento passa então para um “modo automático”. Infelizmente, o que envolve amor e interação humana não sobrevive automaticamente.
Também comecei a refletir sobre a complexidade que o perdão carrega. Perdoar é preciso, porque o peso sai de dentro de nós. Embora existam situações em que perdoar será extremamente difícil, tamanha a dor que nos causará, o perdão terá que ocorrer, porque teremos que ir embora sem mais nada que nos prenda a quem nos machucou e a quem deverá ficar lá atrás – longe, nulo, junto ao nunca mais.
A verdade é que perdoar todos os erros do outro nunca fará com que ele repense a forma como vem agindo, tornando-o alguém que não muda. Quando a pessoa tem a certeza de que sempre será perdoada, ela tem um passe livre nas mãos para continuar a errar quando quiser, sem pensar nos sentimentos de mais ninguém.
Muitos se esquecem de que há pessoas ao seu lado enquanto estão distraídos a olhar para a frente, sem se lembrar de dar as mãos ao que já é amor presente. Se tu perdoares tudo, sempre, isso irá afastar-te, cada vez mais, de ti mesmo, porque só estarás a priorizar o outro, sufocando o que és e o que sentes sob a necessidade de manter por perto quem deveria sumir da tua frente.
Perdoar faz bem, perdoar é vital, mas o perdão deve ser usado com sabedoria.
Texto de Marcel Camargo