Estava a pensar em não vir. No fundo, estou a pensar nisso até agora. Mas fico aqui, com cara de tacho, a olhar para as tuas coisas bagunçadas, os meus neurónios bagunçados, o meu coração bagunçado, o meu vestido bagunçado e tudo o que estava quase arrumado em mim se confunde num segundo quando ele se aproxima como quem já aceitou casar comigo, mas não disse “sim”. Ele apenas me mira com um sorriso maroto, revirando-me ainda mais. Uma grata desgraça.
Eu não queria vir. Na verdade, eu queria. Eu não queria era vir aqui, apaixonar-me mais ainda e ter que ir embora sozinha. Porque sempre que venho, ele entra em mim, mas não mora. Ele abraça-me, mas não me prende. Ele é o meu par, mas não o meu companheiro. Ele deita-se, mas não fica. E eu continuo aqui sozinha, mesmo sendo dois. Solidão besta. Não é fácil gostar dele. Já o quis matar tantas vezes. Mas ainda não morri.
Mas daqui a pouco, ele vai virar-se para o lado, olhar no relógio umas quinhentas vezes, o telefone vai tocar sem parar e, logo, logo, ele arrumará algo para fazer e ir embora. Eu conheço o seu jogo. Vai dizer que precisa salvar o mundo, buscar a tia-avó no hospital, ver futebol, reencontrar um amigo ou buscar a prima na faculdade, sei lá. Só sei que ele vai. E eu queria estar aqui quando ele voltasse. Eu queria que eu fosse o motivo para ele voltar. Queria que eu fosse o seu mundo, a sua tia avó, o seu futebol, a sua amiga, a sua prima, a sua companheira ou coisa assim.
Juro que vou embora antes mesmo dele entrar no banho. Mas ele sem camisa parece um canto sagrado. Mesmo com as leves marcas de queimadura na barriga só porque não sabe nem fritar um bife sem se magoar. Ele pede-me “faz um lanche para mim?” e eu já proponho banquete nupcial. Ele pede-me umas horas no dia e eu já quero décadas juntos. Ele pede-me um tiquinho de qualquer coisa e eu já venho com temporadas completas. Deve ser isso. O meu erro é mergulhar de cabeça, enquanto ele ainda molha os tornozelos. Quero saltar do avião e ele deseja apenas uma companhia para quando estiver nas nuvens. “Eu quero meter”, ele diz. “Eu quero te ter”, eu penso.
Nunca foi amor, mas insiste tanto em ser…
Texto de Hugo Rodrigues