O que tu deves saber antes de viveres em mim

Se os meus olhos são as janelas da minha alma, então a minha boca é a porta, e o beijo que acabo de te dar – a chave. Peço que repares bem na desarrumação e penses, penses muito bem antes de entrar. A casa é pequena, mas há espaço para muita coisa. As diferentes divisões do meu coração estão abarrotadas de tentativas, de receios, e guardam amontoados intermináveis das minhas mais vulneráveis expectativas.

Agora responde-me: Tens a certeza que queres entrar? Se a resposta for positiva, peço que entres com calma. Na sala do meu coração tu encontrarás centenas de filmes, que me fizeram rir e chorar – no abrigo de outros braços. Músicas que embalaram altos e baixos – com outros amores.

Na cozinha tu sentirás o cheiro de muitos jantares. Temperos que eu costumava adorar e hoje já não posso suportar. Velas apagadas pela ação implacável do tempo. Talheres que alimentaram outras bocas e taças que embriagaram outros corpos.

A minha casa de banho esconde o cheiro de tantos perfumes, sabonetes e loções – quanto de decepções. A água do meu chuveiro já lavou outros suores e o espelho sobre o lavatório já refletiu dias melhores.

O quarto do meu coração é a divisão mais desarrumada, guarda tantas lembranças boas – quanto amores despedaçados. Nele tu encontrarás todo o prazer que dei e recebi. Todas as lágrimas que derramei e todas as alegrias que senti. Vários livros de cabeceira. Roupas por todos os lados. Noites em que fui feliz, e outras em que desejei dormir e nunca mais ter acordado.

Agora preciso que me digas: Tens a certeza que queres continuar? Sim? Então caminha até ao jardim. Lá tu verás quem fui e quem sou. Os espinhos que colhi depois de ter plantado flores, os fracassos que colhi depois de ter semeado esperanças. Mas verás também um pedaço de terra fértil, que resistiu bravamente, e que está a precisar – urgentemente – de água, adubo, calor e amor.

Agora responde-me com toda a sinceridade que existe em ti: Queres assumir a responsabilidade de revitalizar o meu jardim? Quer ajudar-me a varrer o chão, lavar os pratos e pintar as paredes? Estás disponível para me ajudar na troca dos móveis e com a nova decoração? Carregarás comigo todo o lixo para fora? Queres – do fundo do teu coração – habitar o meu?

Sim? Perfeito, cuida bem de tudo – a casa agora também é tua.

Um texto de Fellipo Rocha, editado e
adaptado para português de Portugal.

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