Quem nunca recebeu um: “E então, desaparecida?”
Ele tinha desaparecido há algumas semanas. Desaparecido. Puf! E ela, mesmo sem compreender o motivo, deu um passinho em frente, viu que estava tudo certo, ganhou alguma confiança, deu mais dois, tropeçou em alguém simpático no meio do caminho e foi andando. Chegou a quase esquecer da existência dele e de que tiveram bons momentos juntos. Ele evaporava da cabeça dela junto com o pequeno-almoço. E ela deu mais uns três passinhos e nem olhou para trás, onde ela escolheu ser o lugar dele a partir dali.
Mas ele resolveu voltar. Como sempre voltava poucas semanas depois, com o texto na ponta do dedo digitador. E então, desaparecida? Ela até revia as últimas mensagens que tinham trocado: todas partiam dela, todas ignoradas por ele. Não teriam sido entregues? Ou ele perdeu o telemóvel no meio do caminho e, como nunca houve compromisso entre os dois, não existia a necessidade de um relatório de acontecimentos diários? Ou vai que ele, coitado, trabalhando demais foi permitindo que as mensagens se acumulassem na caixa de entrada a ponto de afogá-lo em letras e emoticons, deixando-o sem consciência por algumas semanas. Vai-se a ver, quem sabe até era isso. E como cada um escolhe a resposta que aguenta, ela matutou. Ainda bem que ela matutou e matutou e matutou sobre todas essas possibilidades (viáveis?) e evitou o sermão que o sangue escaldante daria nele. Decidiu apenas sorrir – com dois pontos e um parênteses que fecha.
A coisa voltou. Os encontros voltaram. O beijo voltou junto e o toque também. Era tão divertido passar essas horinhas com ele. Verossímil seria, então, prosseguir a relação, visto que não é todos os dias que encontramos alguém com quem nos identificamos assim tanto. Um dia depois, uma mensagem depois, algumas tentativas de encontro depois, voltava o problema da agenda dele, né? Ele era isso: água em jarra de tecido, escapava sem que tivesse a consciência de escapar – ao menos era o que ela achava e então ligava para as amigas a especular o que ele podia ter: timidez, autoboicote, um amigo dele que também gostava dela, herpes. O que acontecia para ele dilatar os espaços dos encontros, sendo que para ela poderiam ser agrupadinhos com super cola? De todas as divagações, escolheu a mais cabível: ele tinha medo de se relacionar. E dormiu bem com a sua escolha por algumas noites. Até que ele foi apagando. De novo. Esfarelando. Talvez poucos instantes daquela ida ao cinema com ele, numa sexta de lágrimas torrenciais, ainda a acompanhavam, quando ela acordava e gostava de se lembrar de coisas boas da vida – como misturar geleia e manteiga no pão. E ela deu, de novo, um passo para a frente, desta vez menos tímido. Afinal de contas, o outro a gente não controla, né?
Pois bem, ele resolveu voltar. Como sempre, voltava poucas semanas depois, com o texto em copy-paste. E então, desaparecida? Por via das dúvidas, dos lapsos de memória ou da malandragem mesmo, ela foi rever as últimas mensagens: tinham partido dela. Então, abandonou o telemóvel em cima da cama e deu mais dois gordos passos para a frente, desta vez sem aquele olhar de quem vacila. Deixou a mensagem, ali mesmo, esquecida. E seguiu em frente, com convicção.
Texto de Priscila Nicolielo