A carta que nunca nos escreveram.
Não sei como hei-de começar esta carta. Se começo por te pedir desculpas, ou se te digo que ainda te amo. Desculpa-me e ainda te amo. Passaram-se meses desde a última vez que me falaste, que sentias alguma coisa por mim sem ser indiferença e nostalgia, e estás quase tão distante de mim, como eu da pessoa a quem agora dás a mão.
Não sei ao certo o porquê de te escrever esta carta, mas dei conta de ti ontem. Ontem à tarde estava na minha vida, metido nos meus problemas e enfiado nos meus próprios pensamentos, quando me apercebi que o Verão estava a chegar, e que o ia passar sozinho. Veio-me uma imagem de ti à cabeça. Foi breve, estavas com um casaco branco e o cabelo castanho enorme a bater-te em baixo dos ombros, e olhaste para mim e sorriste. O sorriso que me costumavas dar, e deste-me durante tanto tempo, só porque sim. Fizesse eu bem, falasse eu mal, estivesse eu num bom ou mau dia, nunca te esqueceste de dizer o quanto gostavas de mim.
Outros dos motivos pelos quais te quis escrever foi para te pedir desculpa. Desculpa-me por todas as vezes que te troquei, ou que te menti. Por todas as vezes que te chamei louca, porque sei que em ti há mais sanidade do que em mim algum dia haverá. Fui eu que te fiz assim. Fora de ti, sem nada a perder ou nada a ganhar, que te transformei no monstro de dúvidas e inseguranças que hoje és. Desculpa por todas as vezes que te disse que nunca te haveria de magoar, sabendo que já o tinha feito. Pela capacidade fora do normal que tive de te enganar, ou por todas as vezes que deixei alguém falar mal de ti à minha frente. Desculpa-me ainda mais, por a quantidade enorme de mulheres que usei para esquecer-me do teu sorriso. A culpa não é delas, é minha. Não as odeies por tentar fazer delas uma cópia tua, por tentar cheirá-las e te sentir a ti, ou por quando dizia que as amava antes de as levar para a cama, querer ver-te a ti em baixo de mim a sorrir. A culpa foi sempre minha.
Vi-te no outro dia e o meu coração disparou. Estavas incrivelmente bonita, e pela primeira vez compreendi que nunca precisaste de mim para nada. Que sempre foste assim, mulher do teu nariz, bonita, cheia de sorrisos e com uma capacidade fora do normal para te dares bem com as pessoas que gostas. Fui eu que sempre precisei de ti. Que mesmo mais pequena que eu, arranjava conforto em estar nos teus braços. Que não havia voz que me acalmasse mais de manhã, ou que quisesse mais ouvir antes de me deitar. Estavas tão bonita, tão sorridente, com uma cerveja na mão e o cabelo pouco penteado como costumas andar, e estando os dois no mesmo espaço, não deste por mim. Estavas no teu mundo, nos teus problemas, que com força e com todos os meus erros deixei de fazer parte deles. Olhei para ti com mais intensidade do que olhei em todo o tempo que estivemos juntos.
Há coisas que só compreendemos quando perdemos alguém. Nunca tinha reparado como o teu sorriso é bonito visto de fora, nem como pareces estar em câmara lenta quando te rodeias das pessoas que gostas. Se um dia fui o teu namorado e tinha gosto em quando passavas, ver todos os homens olharem para ti, e tu, tão ingénua com o teu sorriso me vires beijar a mim sem dares ali por eles, desta vez eu fui o eles. Fui eu que te vi a ti, a passar, com os olhos de expressividade que tens, e o sorriso que mandas quando vês alguém que amas, passar ao meu lado e beijares alguém, que te olhou como um dia te devia ter olhado. Sei que estás apaixonada.
Pensei muitas vezes para mim mesmo, que um dia ia mudar. Um dia ia ser o homem que mereces, e que o destino acabou por te fazer encontrar. Que te ia deixar de mentir, fazer chorar, ou dar pouco valor quando aparecias do nada para me perguntar se estava bem. Nós homens, pensamos que quanto mais magoarmos as mulheres, mais elas vão esperar pelo dia em que deixam de ser magoadas para nos começarem a dar valor. Disse-te muitas vezes que tinhas sorte em me ter como namorado, mesmo sabendo que o azar era teu e não meu. Eu devia ter sabido que uma mulher como tu, tão independente e agarrada aos sonhos, era a sorte que a vida me tinha metido na frente.
Por todos os dias mal passados, por todas as mensagens que fiz de conta não ver, por todos os telefonemas em que virei o ecrã para baixo, pelas vezes que te mandei uma mensagem a dizer que te amava prestes a ir ter com outra, pelas promessas quebradas, pelas mentiras e os dias que te afastei da pessoa que acabaste por encontrar, recebi como paga tu mais bonita que nunca, a rires-te e a passar-me ao lado. A vida deu-me como paga, tu, ao meu lado, apaixonada por outra pessoa.
Desculpa, ainda te amo.
Texto de Inês Alegre