Raios, sou mulher.
Querido diário.
Dizem que diários é coisa de adolescente, já passei essa fase há algum tempo mas continuo a precisar de ti. Chamem-me infantil, que eu irei responder apenas que não tenho ninguém que me compreende melhor do que uma folha em branco. Ou quem sabe, porque as pessoas me provaram, infelizmente, que o papel e uma caneta são os meus melhores amigos, porque não me julgam nem falam da minha vida quando não quero. Enfim.
Acabou. Sim, acabou, mais uma de muitas vezes, mas com a particularidade de esta ser a última. Ele decidiu seguir a sua vida por um caminho diferente do meu. Decidiu pôr um ponto final numa história que, na verdade, já tinha acabado muitas linhas antes. Decidiu ser ele a dizer, por nós, as palavras que o meu amor não me deixava dizer: “não dá mais”. Este é o fim final depois de outros fins que não passaram de pausas ou intervalos. Este é o fim que agora me esmaga o coração, que me aperta o estômago, que me rouba o apetite e que me desfaz em lágrimas. Ele tem o que quer, liberdade, eu perdi o que queria, um sonho. Raios, sou mulher, é claro que queria viver com ele para sempre, é claro que pensei numa vida ao lado dele, é claro que o imaginei a jogar à bola com os nossos filhos. Raios, sou mulher, vivo tudo a dobrar, vivo um futuro sonhado, um presente sentido à flor da pele e ainda aturo um passado por esquecer. Raios, sou mulher, ou é tudo ou não é nada, ou é para sempre ou nunca devia ter sido.
Fiz tudo por ele, achava eu que o fazia por nós, que o fazia por mim. Entreguei-me completamente porque para entregar metade… então não entregava nada. E fi-lo porquê? Porque estava parva? Não, porque estava apaixonada (ou será a mesma coisa?). Perguntar-me tudo isto, agora que tanto faz, dói-me ainda mais, por ser inútil, por ser tarde. Dói, porra!
“Nunca mais”, são estas as palavras que a vida me obriga agora a decorar e a repetir constantemente na minha cabeça. Sim, nunca mais, é esta a verdade que eu não quero aceitar, mas tenho. Nunca mais um abraço, um beijo, um carinho, nunca mais um “amo-te” no final de uma sms, que por mais ridícula que fosse fazia-me sempre sorrir. Raios, sou mulher, dou valor a estas pequenas coisas, dou valor a uma flor que ele roubou do jardim da vizinha para me dar, dou valor a um poema que me escreveu num guardanapo no final de um jantar, dou valor porque por mais pequenas que sejam estas coisas, isto é amar! E agora? O que faço a tudo isto? Para onde vão os dias que passamos juntos? Para onde vão as lembranças e tudo o que sentimos um pelo outro? Para onde vão os desejos e os sonhos que tivemos juntos? E para onde vão as experiências e gestos que trocamos? Não vão para lado nenhum, ficam aqui, e que bem que ficam aqui. Posso ter de esquecer o amor que sinto por ele, mas nunca aquilo que vivemos. Hoje choro porque ainda o amo, mas amanhã sorrio porque vivi. Não foram anos perdidos, foram anos vividos.
Tenho de aceitar, este é o meu primeiro passo, enquanto não o fizer vou continuar nesta lama, presa, sem conseguir avançar nem recuar e vou afundando… não posso. Tenho que meter na cabeça que não posso voltar para quem não me espera, nem chorar o fim do que já não era. Errámos, os dois, falhámos, os dois, não o posso culpar por não poder viver este sonho ao lado dele, nem tão pouco posso odiá-lo por isso. Não posso mas odeio, sem querer, ele que me perdoe, mas odeio-o profundamente, ou talvez seja só uma forma de disfarçar esta dor. Mas, também, tenho de ser sincera: se de facto o odeio, então ninguém o odeia com tanto amor como eu. Raios, sou assim, sou mulher.
Um texto de Raul Minh’alma.